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quinta-feira, 19 de outubro de 2017

Carta de Número Dois


Empilho o desaconchego do meu coração em uma estante que fica no canto da sala, aperto o passo em direção à pilha de planos falidos que fiz pelo meu caminho... Foram longos dias de faxina. Ninguém faz ideia do quanto isso me desesperou... Cantarolei as poucas canções que embalaram o meu sono e embalei as minhas confusões mais profundas. Coisas que guardei por tempo demais. 

Da minha janela, vejo os vizinhos assistirem curiosos a pilha de dúvidas que pus no lixo. Observam como se esperassem que segredos saltassem de dentro dos sacos, negros como o medo que deixei residir no meu coração por todo esse tempo. Vez ou outra, alguém bate em minha porta e se oferece para carregar as caixas da minha ansiedade, eu agradeço, aperto mãos e mais mãos e ofereço-lhes a desculpa de que "este trabalho pertence a mim, somente"... Sou eu quem tem que limpar essa bagunça sozinha. 

Reviro meu guarda roupas, olho entristecida os vestidos que escolhi para as minhas noites mais difíceis, aquelas que descrevi em algum papel avulso que foi deixado pela casa... Também recolhi cada um deles, e me deparei com o absurdo de angústia que carreguei sozinha. 

Tirei das minhas paredes as fotografias em preto e branco, tão cinzas como as histórias de amor que escrevi em mim. 

Levo meus livros para um canto, leio título por título, dedicatórias vindas de gente que já me deixou. Sinto um formigamento nas cicatrizes que ainda vivem, acordo... Carrego os livros para a biblioteca aqui perto, sinto os olhos de todos em mim, olhos que não enxergam um centímetro além da minha superficie. Olhos que nunca me enxergarão, de fato. 

sábado, 2 de setembro de 2017

Carta de número um


       Essa é a primeira de  muitas das cartas que irei tirar da minha gaveta, ainda pretendo escrever muito. Eu preciso lhe dizer que não é fácil, olhar a minha vida daqui, assistir às versões velhas de mim e falar sobre as marcas que causaram nos meus joelhos. Não é fácil. Quem nunca teve aquele tropeço no meio do caminho que atire a primeira pedra. Quem pretende manter suas marcas ocultas, que o faça, tenho exercitado conviver em paz com as minhas feridas. 
     Só quem já caiu feio sabe que não é fácil esconder machucados profundos, acordar às seis da manhã e pôr a cara no sol sem a maquiagem de todos os dias, colocar os pês na calçada e abrir o peito para gritar "Ei, essas são as minhas cicatrizes", tenho tentado não odiar as minhas, não permitir que minhas histórias sejam páginas que nem eu mesma seja capaz de ler. Entendi que me ferir nos processos é parte da minha humanidade, eu que tenho a habilidade de tropeçar em todas as pedras que encontro pelo caminho, tenho entendido que cair é parte do roteiro. 
      Também preciso dizer que desisti de insistir em roupas que já não me servem, joguei muita coisa fora e tenho anotado nas minhas legendas advertências sobre os meus sentimentos excessivos, sinto que me encaixar não é mais algo que cabe a mim. 
     Tenho feito prints de textos que me deixam chorosa, tenho feito playlists de músicas tristes, e tenho me sentido confortável em relação a todas as coisas do meu coração as quais em outro momento insisti em ignorar pelo fato de terem me convencido ser bobagem, e não eram. Os meus excessos precisam ser respeitados, começando por mim.
     Pra concluir essa carta, admito: Não me livrei das cartas que escrevi e não enderecei a ninguém, não me livrei das que escrevi e enderecei, não posso jogar fora as minhas palavras, não mais, são parte crucial de quem sou. A minha gaveta é um mundo de palavras e desabafos, de idas e vindas, de sonhos que coloquei no papel, deixar que as leiam é como abrir o peito e dizer "Ei, vem cá, essas são as minhas cicatrizes." Então vem, senta, abre o teu peito e me lê. 


P.S: Um agradecimento super especial à querida Vitória Amaral dona do http://capituloxxiii.blogspot.com.br que é um blog lindo! (Ela fez esse blog ser essa coisa fofa que vocês estão vendo). E não menos especial a todas as pessoas pessoas lindas que me incentivam a falar das coisas que sinto em forma de texto, o mundo é mais bonito por conta de vocês!